quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ARTÉRIAS

Enquanto Jesus ainda estava falando, chegaram algumas pessoas da casa de Jairo, o dirigente da sinagoga.

"Sua filha morreu", disseram eles.

"Não precisa mais incomodar o mestre! "

Não fazendo caso do que eles disseram, Jesus disse ao dirigente da sinagoga: "Não tenha medo; tão somente creia". (Mc 5: 35-36 NVI)

Eu não sabia o que era artéria, quero dizer, eu não sabia o que ela era em meu corpo. Não tinha ideia de que entupisse ou de que se entupia... Colesterol, hipertensão, pressão alta. Tudo isso eram termos de um dicionário de outro planeta pra mim, até que aconteceu comigo. Um infarto.

Eu não tenho colesterol alto, minha pressão é normal e não sofro de diabetes, mas fumava. O gatilho de meu infarto foi o estresse causado pela sociedade num comércio e, claro, o habito de fumar.

Sempre soube que devemos conviver com pessoas que tenham valores pelo menos parecidos com os nossos, mas não fui prudente me permitindo associar com alguém tão diferente. Sempre entendi que o egoísmo não é uma doença genética e sim uma herança espiritual, de si mesmo para si mesmo. Sempre soube que devemos nos afastar ou nos preservar do mal, como nos ensina Jesus na oração do Pai Nosso, mas também fui imprudente neste sentido. Deu no que deu. Quatro artérias prejudicadas e uma me levou ao infarto. Quatro angioplastias, três stents e um balão. Sobrevivi porque sabia que o cirurgião que comandava tudo por ali, apesar de não estar visível, me assistia.

Pude sentir a presença Dele desde antes, ainda no Pronto Socorro do hospital municipal quando aguçou meus ouvidos e pude ouvir os passos da minha mulher, andando de lado a lado, conversando com Ele. Pude ouvir as orações que ela fazia e pude vê-lo consolando-a. Consegui enxergar o desespero da minha mãe entrando naquele Pronto Socorro e convencendo a todos que precisa tocar no filho querido, confesso que me senti mais perto Dele quando ela me deu um beijo maternal, como se através deste beijo eu recebesse o alivio que minha alma precisava porque ela estava no colo Dele. A minha alma descansava no colo Dele, como um reencontro quase definitivo, mas não era para morte, apenas dormia. A dor nos aproxima de Deus. Ela ensina, educa e roda um filminho. Num instante a vida por ali e o engraçado é que passa exatamente as cenas que deixamos de fazer ou que poderíamos ter feito de maneira diferente. A outra alternativa. Aquela que hoje sabemos que seria a correta. Eu estava mais triste que dolorido, mas o consolo era saber que nunca estive sozinho. Meu amigo compartilhava da minha luta e ficava ao mesmo tempo ao lado das pessoas que eu amava, porque eram minha preocupação. Meu amigo é tremendo!!! O que me faz lembrar aquele hino que diz assim: “Tudo Ele fez, tudo formou, para o Seu louvor”... Ele me presenteou com aquilo que alguns chamam de livramento. Eu prefiro acreditar que Ele me presentou com a Vida, uma segunda chance, um nova temporada, um outro episódio em que reescreve as páginas mas deixa que eu escolha o final, se feliz ou não, cabe a minha interpretação, a minha leitura, então que eu possa ver através de Sua lente, é o que desejo.

Deus criou da terra, o homem e a mulher e amou tanto a Sua criação que quis presenteá-la. Deus não queria um presente qualquer, mas algo especial, do tipo que só mesmo Deus poderia dar. Então Deus lhes deu a vida...

A vida soprada no homem alterou por completo toda a criação de Deus, dos ossos a pele e sob a carne.

Criou órgãos fantásticos, veias, átomos. Uma tecnologia tão avançada e tão revolucionária que a absolutamente nada poderia ser comparada.

Eis alguns dados impressionantes deste presente de Deus:

***Somos capazes de definir e enxergar 1 milhão de cores diferentes.

O nosso corpo é o mais complexo mecanismo já conhecido.

100 milhões de neurônios processam informações.

Nossas fibras nervosas se fossem esticadas dariam 100 mil km, duas voltas e meia ao redor da Terra.

O esqueleto humano é leve como o alumínio, duro como o aço e mais forte que o concreto. Nossos ossos se quebram o tempo todo, a cada passo dado como uma prateleira de louças caindo. Eles se regeneram e se tornam ainda mais fortes.

O fêmur aguenta uma carga de 1500 kg.

Se o homem viver oitenta anos, já terá usado 14 esqueletos durante a vida.

Se for conduzido com cuidado, o coração pode funcionar sem interrupções por mais de 100 anos. É uma verdadeira usina elétrica, sem falhas.

100 mil pulsações por dia. O volume de sangue bombeado chega a 300 litros por hora. Em 12 horas teríamos volume para encher mais de 22 mil taças de vinho.

19 mil km por dia é o que percorre o sangue em nossas veias.

As emoções são ligadas ao coração, daí as palpitações que sentimos.

***(Dados do Documentário “A Máquina do tempo”, produção canadense exibida pela TV Globo em 09/10/2009)

Ele trouxe este presente do céu para ser eterno e precisou Pessoalmente instalar em cada homem e em cada mulher. Não é humano, portanto, é divino e vem da graça. Vem da própria natureza de Deus, como se Ele desse de si mesmo à cada homem e mulher encarnado, ou seja, revestido de carne que era Sua criação no planeta e da união deles viriam outros. Deus deu à eles da Sua natureza para que também fossem deuses, criadores de criaturas e à todas elas, Deus deu de Si mesmo como presente. O presente Vida. Mas tecnologia tão avançada necessitava ser compreendida para que não fosse usada inadequadamente e se perdesse. Então Deus resolveu usar o próprio homem para escrever a cada um, uma carta, ou melhor, um livro, um manual de instrução e sobrevivência.

Deus escreveu por mãos humanas um livro para você. Neste livro está tudo o que você precisa saber sobre todas as coisas da sua vida. Absolutamente todas as coisas. Até dedicatória Deus colocou neste livro e ela é Cristo Jesus. Em qualquer circunstancia do uso de sua vida na carne ou além dela, há uma palavra Dele para você escrita neste manual, porque de antemão Ele já sabia de suas aflições. Porque a perfeição não é um dom, é uma busca. Mesmo que você ainda não saiba, a perfeição é um dos atributos de Deus e Ele quer compartilhar com você.

Sei que Jesus estava naquele hospital, não porque eu O tinha chamado ou minha mãe ou, principalmente, minha mulher. Mas porque era exatamente ali que Ele queria estar. Estava ao meu lado desde o momento que sai de casa e como na historia da filha de Jairo, no caminho tocou em muitas almas e provavelmente alguma tenha tocado em seu manto e sido curada. A minha cananéia da bíblia não tinha dúvida, tinha fé e conseguiu seu milagre. Eu não tinha tanta certeza. A dor nos faz titubear, mas nos aproxima de Deus. O médico pode errar mas quem permite é Ele, o ponto final da sentença é só Ele quem pode colocar. No meu caso era só uma fase de reticencias. Com Jairo, o dirigente da sinagoga, foi diferente:

Jairo era um dos principais da Sinagoga nos tempos de Jesus. Uma espécie de senador, com todos os privilégios inerentes ao cargo. Tinha jatinhos ao seu dispor, os melhores médicos, os melhores hospitais, tudo na faixa. Bastava que estalasse os dedos e pronto, tudo lhe caia no colo. Bastava um telefonema e arranjava a vida de qualquer um. Ele poderia perfeitamente ter barganhado com Jesus, por exemplo: “Sei o que falam de você e o que pretendem fazer, se você curar minha filha é só eu fazer uma ligação e tudo se ajeita, limpo sua ficha”. Mas não foi assim que ele agiu. Ele mudou o foco. Não estava olhando para o problema e sim para quem tinha a solução. E foi atrás Dele.

Ele não fez um pedido formal, como poderia se supor para um homem de sua posição. Não. Ao invés disso ele prostrou-se diante de Jesus e implorou, insistentemente: "Minha filhinha está morrendo! Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela, para que seja curada e viva" (Mc 5: 23).

E Jesus foi.

No caminho para a casa de Jairo, vieram ao encontro deles, alguns de seus empregados e pediram para que não mais importunasse o Mestre pois a sua filha estava morta.

Como seria sua reação diante desta informação? Antes que Jairo pudesse responder qualquer coisa, Jesus (essa é a melhor parte!!!) intercedeu como relata o evangelista:

Não fazendo caso do que eles disseram, Jesus disse ao dirigente da sinagoga: "Não tenha medo; tão-somente creia". (Mc 5: 36 NVI)

Não fazendo caso do que eles disseram”. Jesus os ignorou, olhou nos olhos de Jairo e falou diretamente ao coração dele: “Não tenha medo, somente creia”.

Ignore aqueles que dizem que você não é capaz. Que não tem mais idade para determinadas coisas. Não dê ouvidos aos que tentam lhe colocar pra baixo. Não se importe com o que “os outros” vão pensar porque com certeza eles não vão se importar se você fracassar mas se incomodarão com suas vitorias. Não dê ouvidos às fraquezas que querem lhe imputar. Olhe diretamente nos olhos de quem pode resolver e deixe que Ele vá na frente. Nunca lamente, ouça a Sua voz.

Quando Ele chegou na casa de Jairo, encontrou um clima de velório. Pessoas chorando, tristeza e desordem e disse:

"Por que todo este alvoroço e lamento? A criança não está morta, mas dorme". (Mc 5: 39)

Sua esperança não está morta, só dorme.

No livro “Ele ainda remove pedras” de Max Lucado, ele aborda esse mesmo tema e sublinha assim:

“Há momentos em que a fé se inicia colocando algodão nos ouvidos”.

Se para você não tem solução, coloque o autor da solução no negocio, ignore o autor do problema.

Se o seu caso é para a morte, dê nas mãos do autor da vida e ignore o autor do sofrimento.

A fé é o firme fundamento das coisas que não se veem, nos ensinou o apostolo Paulo.

Quando Jesus chega na casa de Jairo, as pessoas se riem Dele e Ele, como havia feito no templo, as expulsa dali. Jesus não quer ninguém perto dele com a bandeira da desconfiança. Ele sabe que a desconfiança é irmã da traição. Chama Tiago, Pedro e João mais os pais da criança e ordenou a morte que se retirasse. A vida havia acabado de chegar na pele do próprio autor dela.

Faça como os pais da menina, deixe que Ele vá na frente. A obra é Dele. Repare que os apóstolos não fizeram nada, mas Jesus os queria por perto. Ele precisava da comunhão. Havia um testemunho a ser dado mais adiante.

Não apenas ignore os desconfiados e ciumentos que invadiram a sua vida. Expulse-os de sua presença. Não há nada que eles possam acrescentar ao seu aprendizado neste planeta. Você não precisa que riam de sua fé. Você precisa da sua fé, cercada de pessoas que tenham os mesmos ideais que os seus. A morte vai estar sempre por perto porque um dia vai lhe amparar, e é através dela que você precisará passar para trocar essa roupa de artérias, nervos e ossos por uma outra incorruptível.

Jesus sabia disso. Ele sabia que a menina estaria melhor do outro lado da cortina, mas precisava mostrar àquelas pessoas o quanto se pode realizar através da fé. Jesus não olhava as circunstancias, Ele olhava as pessoas. Quando da transformação da água em vinho no casamento em Canaã, disse à Sua mãe que ainda não era chegada a Sua hora, mas sabia que o anfitrião teria problemas caso não houvesse mais vinho. Ele lembrou-se do noivo, foi para Ele que Jesus olhou e fez o primeiro milagre de Sua historia.

Acho que a pior sensação, depois que se passa por um processo grave, como o cateterismo e a angioplastia, é a da brevidade das coisas. Como tudo é efêmero. E a urgência com que passamos a encarar tudo. Porque pode não dar tempo de dizer aquela pessoa o quanto a amamos, o quanto nos arrependemos daquela discussão ou o quanto somos gratos. Pode não dar tempo de limpar o coração, não das gorduras que nele jogamos, mas das amarguras, daí então termos um coração sujo para apresentar a quem vai recebe-lo do outro lado da cortina. Pode não dar tempo para aquela carta, aquele telefonema, aquele toque.

Há muito sofrimento sobre o povo que vive neste planeta. Se de alguma maneira a minha segunda chance me foi dada, talvez seja porque Ele me quer em alguma frente de batalha e se Ele quer, ele pode me municiar das armas que preciso para vencê-la. Então, antes que não dê tempo, preciso dizer que amo minha mulher, não só pela fibra, mas pelo afeto e determinação e principalmente por estar ao meu lado, trazendo Jesus pelo braço. Dizer a minha mãe que não sofra, mas tenha certeza que o Amigo que ela me apresentou está sempre ao meu lado, que ela nunca duvide disso, que o nosso amor já tinha sido desenhado desde o ventre ou muito antes e aos meus filhos nem sei o que dizer... Aos de coração, tenham certeza do meu carinho, amor e gratidão por atravessarem comigo essa peleja. Ao mais velho, muitas saudades para um coração velho como o meu. Ao mais novo, que todo o tempo esteve ao meu lado, só peço que Meu amigo revele-se à ele como a mim e ele possa estar mais ainda ao meu lado para sempre. Eu os amo.

Ah sim, que Deus tenha misericórdia daqueles que de alguma maneira tiveram parte no processo de meu infarto, como disse o médico, o gatilho de tudo foi o estresse. Por não contender ou por evitar o confronto, acabei guardando o rancor que lançaram sobre mim. Deus tenha misericórdia dos que me difamaram, desconfiaram, julgaram e culparam. Que o amor Dele possa transformar seus corações, sem sustos, é o que desejo.

UM JESUS QUALQUER

No filme e no livro “O Auto da Compadecida”, do Ariano Suassuna, tem uma peculiaridade marcante: Jesus é negro. Essa possibilidade chocou a igreja na época, igreja aliás, que era movida a dinheiro, tanto que quando ameaçados de morte pelo cangaceiro, o padre e o bispo se recusaram a dar todo dinheiro da igreja para o bandido, com intenção de comprar um bom lugar para onde estavam indo.

Jesus negro aparece no final do filme como um mendigo, depois da absolvição e segunda chance do trapaceiro/herói da trama, João Grilo, e assim travam o seguinte dialogo:

A cena começa com a imagem fechada na mão estendida de Jesus, perfurada pelo cravo.

(Jesus) – Uma esmola pelo amor de Deus, que é pra eu tirar a barriga da miséria.

(João Grilo) – Olha, o senhor vai me desculpando mas de barriga na miséria aqui já tem três.

(Rosinha) – Tome meu senhor (estendo o pão para Jesus) e vá com Deus.

(Jesus) – E vocês vão com ele. (disse partindo)

(João Grilo) – Danou-se dona Rosinha, foi-se a comida quase toda.

(Rosinha) – Jesus se disfarça as vezes de mendigo pra testar a bondade dos homens.

(João Grilo) – Pode até ser, mas aquele ali não era Jesus não.

(Chicó) – Ué, como é que você sabe?

(João Grilo) – Pretinho daquele jeito? Não é mesmo.

Muitas vezes temos atitudes discriminatórias até sem maldade, talvez um pouco por força de criação, ou usamos o que acabei de escrever para esconder que somos mesmo, um povo preconceituoso e que aparência faz sim, diferença em nossos relacionamentos.

Há um morador de rua que foi algumas vezes em nossa igreja. Eu já o conhecia por conta de um trabalho comunitário do qual faço parte fora da igreja. Percebi da primeira vez que entrou ali, um certo desconforto de alguns irmãos, seja pelo mal cheiro dele ou por sua aparente embriagues. O fato é que logo fui chamado pra louvar e brinquei ali com ele, quebrando um pouco daquele desconforto.

Não é incrível? Estou falando aqui de uma igreja, ou seja, um lugar de comunhão, onde uns confortam os outros. Não é bem assim, infelizmente, muitos frequentam a igreja porque querem ser abençoados, porem não têm disposição de abençoar. Outros frequentam a igreja por obrigação e alguns frequentam para serem comentados. Poucos vão ali para adorar. “Minha casa será chamada Casa de Oração” nos ensinou Jesus.

Somos uma legião de Mefibosetes numa terra estranha e distante, como peixes fora da agua. Não somos daqui, não pertencemos a este lugar, mas estamos aqui. Presos a cartilagem, às limitações dos movimentos. Custamos a respirar. Não é a nossa praia. Definitivamente. Quantas vezes você não se sentiu desta maneira? Mostre-me alguém que seja plenamente feliz nesta terra e eu lhe mostrarei um grande mentiroso. Não somos daqui. Estamos aqui de passagem. Somos forasteiros num planeta que vamos aprendendo a conhecer dia após dia. Somos hospedes num corpo que nos possibilita habitar neste planeta estranho. Somos inquilinos do tempo e a ele submissos. O tempo é produto perecível e estamos na prateleira acondicionados na embalagem que o contém. Estamos presos ao tempo que o tempo tem para nós. Aprisionados e morando de aluguel num lugar estranho. Mas você já conhece, já ouviu falar a respeito do Rei. Você procurou se esconder o tempo todo Dele. Por medo ou por insegurança, mas Ele se lembrou de você. Agora Ele já sabe que você é um sobrevivente da casa Dele e manda busca-lo. Você pensa “chegou minha hora, meu tempo acabou”. Prepara-se para o pior e o que acontece? Ele lhe convida pra sentar em Sua mesa, dormir em Sua casa, quer que fique na presença Dele. Para sempre. Você sente que seu ar mudou, que já pode respirar sem o auxilio desconfortável do tempo lá fora, se pró ou contra. Você se sente seguro para ser feliz. Você se sente protegido pelo Rei. E o que o Rei quer que você faça? Nada. Apenas que não saia de Sua presença, que não volte para Lo Debar, ou para o Brooklin ou para a periferia, ou o bar mais próximo. Ele lhe tirou do inquilinato para dividir consigo o Seu palácio. Mandou busca-lo, tem pressa de restituir aquilo tudo que você, por despreparo, desprezo, ganancia ou qualquer outro motivo, perdeu. Aguarda só sua resposta. Conhece seus defeitos, sabe o quanto se arrasta por este planeta. Já ouviu falar de sua dificuldade de caminhar sozinho. Reparou no seu aleijão e quer lhe ver de pé como nunca antes você conseguiu estar. “Seja bem vindo ao seu lar”, é o que Ele mandou pintar na porta de Sua casa, só para você. A única coisa, no entanto, que Ele pede é que o aceite como seu Rei e único e verdadeiro amigo.

Quanto ao morador de rua, morava na mesma rua da igreja. Ele poderia perfeitamente responder a quem perguntasse seu endereço: “Mora na rua Dulce, primeiro quarteirão, bem no meio, do lado esquerdo”. Era seu endereço. A igreja é na esquina do segundo quarteirão, também do lado esquerdo. Com certeza muitos irmãos já passaram por ele ali na rua. Muitos também devem ter atravessado a rua ao vê-lo ou tropeçado nele, afinal, moradores de rua são invisíveis, não é?

O ultimo culto em que apareceu por lá, chegou mais tarde que de costume, mais embriagado que o normal e mais triste que o habitual, até porque, normalmente era uma pessoa alegre. Ele tinha duas bíblias entre os seus pertences, que carregava por onde fosse. Ele lia e fazia anotações em um caderno. Colocava ali o seu entendimento e muitas vezes me mostrava. Lembro-me de uma ocasião em que me mostrou o que havia entendido do Salmo 23 e era quase um poema, escrito pelas suas mãos sujas mas com a tinta da alma. Belissimo.

Naquela noite em particular ele estava triste. Haviam roubado suas coisas e entre as coisas estavam suas bíblias. Ele estava me contando isso quando reparei numa senhora, que estava sentada bem a nossa frente, tapando o nariz e resmungando qualquer coisa para uma jovem que estava ao lado dela. Ele me contou que não morava mais naquela rua por conta do roubo e que estava triste pela perda das bíblias mas ao mesmo tempo me mostrou um embrulho de um pequeno livro que ganhara aquela noite. Era um exemplar do “Evangelho segundo o espiritismo”. Novamente a senhora olhou para traz e indignou-se com aquilo. Ele contou que não era como a bíblia dele, que estudava, mas que também falava de Jesus e isso reconfortava, de certa forma. Desde aquela noite, guardo em meu carro uma bíblia pronta pra entregar à ele. Uma NVI para melhor compreensão dos textos, mas não o vi mais.

Lembro de Jesus, citando Isaias, ter dito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lucas 3: 18-19-20).

Aquela senhora continua frequentando os cultos, dominicais, porque nos cultos da semana não me lembro de tê-la visto. Fico me perguntando: O que será que significa para ela (e para muitos ali) amar o próximo como a si mesmo? Ou será que neste caso ela ama ao próximo desde que ele não seja ou não esteja tão próximo? A proposito, o nome deste morador de rua é Jesus. Não é curioso? Justamente um Jesus, na casa onde adoramos Jesus, não ser bem vindo... No mínimo triste.

Acho que nós também perdemos as nossas bíblias e um Jesus, que pode ser pretinho transfigurado em mendigo, vai nos estender a mão não para pedir uma esmola “pra tirar a barriga da miséria”, mas para nos pedir a conta do que fizemos em nome Dele por Ele e para Ele, aqui. Em qual time você está? Qual a miséria que você pode dividir com Jesus neste momento?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pintura íntima

Vi naquele quadro

o anjo do breu

um risco no espaço

o olho de Deus

como espiasse as almas

Big Brother as avessas

vasculhando nossas casas

escolhendo a próxima presa.

Quase cruzamos o olhar

Deus descuida mas não tarda

não era a minha vez de enfrentar

o paredão sem internauta.

Era só um quadro

tintas espalhadas

como por acaso

numa mesma estrada.

06/07